domingo, 30 de dezembro de 2007

Blefe de mestre

Pois é, fiquei muito tempo sem postar nada, mas é porque meus meses de novembro e dezembro foram uma loucura. Por isso, não pude escrever sobre algumas coisas que gostaria, como a classificação do meu Mengão à Libertadores (VIVA!!!) ou a respeito de algum filme interessante que tenha visto. Mesmo assim, não podia deixar passar algo que está na minha cabeça há algum tempo.

Ao contrário do Xexéo, eu confesso: EU ASSISTO NOVELA, SIM! Isso até causa alguns conflitos de relacionamento com as pessoas que gosto, mas fazer o quê? O motivo desta postagem é a respeito do maior engodo já feito pela teledramaturgia da Rede Globo nos últimos anos (Malhação não conta): A novela Duas Caras.

Seu autor, Aguinaldo Silva, foi responsável por obras excelentes, como Roque Santeiro (com Dias Gomes), Vale Tudo (com Gilberto Braga), ou Senhora do Destino, mais recentemente. Mas dessa vez, parece que ele perdeu a mão, não sabendo exatamente o que fazer com sua história, acreditando que o sensacionalismo e o mau gosto conseguiriam deixar a fragilidade da trama passar despercebida.

Só que Aguinaldo deveria ter percebido que alguns elementos cruciais de Duas Caras simplesmente não funcionam por causa da implausibilidade com que foram apresentados. A começar pelo personagem que é o motivo do título da novela. Desde o início da divulgação de Duas Caras, foi divulgado que Adalberto Rangel, que depois viraria Marconi Ferraço, seria o protagonista da história e que, mesmo não sendo totalmente bonzinho, ele teria alguns momentos conflitantes. Mas o que se vê, desde que a novela começou, é de que ele não tem nenhum remorço por seus atos, algo reforçado pela perfomance dura do ator Dalton Vigh. Uma pena, já que ele teria chance de fazer algo menos esteriotipado do que o psicótico Clóvis, de O Profeta.

Outro problema está na mocinha Maria Paula, vivida por Marjorie Estiano. Fica difícil acreditar e torcer por uma moça que, após saber que os pais morreram em um acidente, se deixa seduzir por um cara que lhe conta a notícia e acabou de conhecer (no caso, Adalberto), perde a virgindade com ele no dia do enterro deles, foge para outra cidade para se casar com o estranho, entrega de bandeja todos os seus bens, é roubada, perde a casa e se descobre grávida. Detalhe: tudo isso acontece em apenas dois dias!!! Ou seja, levar fé nessa história é desafiar a inteligência do telespectador. Apesar disso, a jovem atriz até faz bem o seu papel, como foi em Páginas da Vida, de Manoel Carlos . O problema é que ele é muito mal escrito.

Além disso, a trama principal foi ficando cada vez mais anêmica e desinteressante, a ponto de Aguinaldo Silva dar preferência ao líder da Favela da Portelinha, Juvenal Antena, interpretado por Antônio Fagundes de maneira bem caricata. O personagem, notadamente inspirado em chefes de milícias que existem em várias comunidades do Rio, comete atos controversos, mas tem uma certa integridade e tem muito mais carisma do que os que deveriam ser o centro das atenções. Tanto que, mesmo sendo alguém, de uma certa forma, fora da lei, Juvenal Antena é apoiado por muitos e terá direito a uma história romântica com Alzira, que fingia ser enfermeira para dançar numa boate à noite, vivida pela bela Flávia Alessandra.

Muitas outras coisas estão erradas em Duas Caras, como a morte e ressurreição de Juvenal Antena, mas não vale a pena enumerar todas elas, até porque a novela ainda está em andamento e podem surgir mais equívocos ou consertos. Mas do jeito que a coisa anda, a trama pode perder cada vez mais o interesse porque, na tentativa de fazer algo mais realista (segundo palavras do autor, que disse não querer mais fazer histórias fantásticas, como em A Indomada ou em Pedra Sobre Pedra), Aguinaldo Silva acabou criando algo que criou menos identificação entre os espectadores. Dá vontade de pedir ao Gilberto Braga que escreva mais capítulos de Paraíso Tropical, de preferência contando mais sobre o destino de Bebel, com a deliciosa Camila Pitanga. Essa sim, foi uma ótima personagem.